#Culture
Target:
Secretaria Municipal de Cultura
Region:
Brazil

INICIATIVAS PARA A DANÇA REALIZADAS PELA SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA RJ (ANOS 90 / 2000):

Este documento consiste em um breve relatório sobre as políticas culturais para a dança implementadas pela Secretaria Municipal de Cultura nas últimas duas décadas, sobretudo a partir de meados dos anos 1990 até meados dos anos 2000, momento a partir do qual assistimos sua paulatina desarticulação. Nos últimos anos, o contexto de produção artística da dança carioca sofreu significativas mudanças, o que torna as informações abaixo apenas uma referência para um indispensável esforço de revisão e atualização.
Grande parte dos dados para o presente resumo foram obtidos através da consulta à dissertação de mestrado do Sr. Leonel Brum (atual Coordenador de Dança da Funarte).
É importante informar que as políticas culturais da Secretaria Municipal de Cultura foram elaboradas e executadas pelo Instituto Municipal de Arte e Cultura, o RioArte, braço executivo da Secretaria, o qual existiu de 1977 até 2006, quando foi extinto através de um decreto do prefeito César Maia.

1) PROGRAMA RIOARTE DE SUBVENÇÃO À DANÇA CARIOCA (1995 -2005)
Este programa do Rioarte visava a manutenção do trabalho continuado de coreógrafos e bailarinos cariocas através de subvenção anual às companhias de dança residentes e ativas na cidade.
O programa iniciou-se com três companhias: Companhia Regina Miranda de Atores-Bailarinos, Companhia Carlota Portella - Vacilou Dançou e a então recém-fundada Companhia de Dança Deborah Colker. Em 2000, a subvenção foi ampliada de sete para onze companhias, porém a verba diminuiu. O resultado dessa redistribuição significou a redução da quantia anual recebida pelos grupos antigos de R$ 80 mil para R$ 50 mil. Este número cresceu até alcançar treze companhias subvencionadas em sua fase final de existência, entre 2003 e 2005 (no entanto, como dito anteriormente, nem sempre aumentando proporcionalmente o montante de verba do projeto). Em sua última fase cada cia. chegou a receber 60 mil reais por ano, o que significava um orçamento total de 780 mil reais para o projeto como um todo.
Em 2005, com atrasos cada vez maiores na liberação das verbas, o programa foi extinto pelo Rioarte, com a promessa de relançá-lo sob um formato “mais abrangente”. As treze companhias apoiadas então eram: Trupe do Passo (Duda Maia), Companhia Steven Harper, Companhia de Dança Dani Lima, Companhia de Dança Márcia Rubin, Paula Nestorov Companhia, Ana Vitória Dança Contemporânea, Renato Vieira Companhia de Dança, Companhia Carlota Portella – Vacilou Dançou, Staccato Companhia de Dança (Paulo Caldas), Dupla de Dança Ikswalsinats (Frederico Paredes e Gustavo Ciríaco), Márcia Milhazes Dança Contemporânea, Os Dois Companhia de Dança (Giselda Fernandes) e Esther Weitzman Companhia de Dança.
Além da verba, que permitia o pagamento de salas de ensaios e de salários aos profissionais envolvidos, chegou-se a insinuar em determinado momento uma política diferenciada para essas companhias no que diz respeito à preferência em pautas em teatros municipais (como Espaço Cultural Sérgio Porto, Teatro do Jockey e Teatro Carlos Gomes) e apoio para divulgação de seus espetáculos.
A maior parte das companhias subvencionadas era formada por artistas que surgiram na cena carioca ainda nos anos 90, sobretudo através do Panorama de Dança. A estabilidade (relativa) proporcionada pela subvenção permitiu a estes grupos se estruturarem profissional e artisticamente. Dentre os grupos que foram apoiados pelo programa, destacam-se Lia Rodrigues Companhia de Danças e Cia. de Dança Deborah Colker, as quais trilharam enorme sucesso dentro e fora do Brasil, sendo posteriormente apoiadas por outras instâncias fomentadoras.
O Programa de Subvenção foi acompanhado por um boom de companhias criadas a partir da segunda metade da década de noventa. Além das companhias apoiadas, como a Dupla de Dança Ikswalsinats (surgida em 1995), Paula Nestorov Companhia (surgida em 1996), Ana Vitória Dança Contemporânea (surgida em 1996), Trupe do Passo (surgida em 1997), Companhia de Dança Dani Lima (surgida em 1997) e Esther Weitzman Companhia de Dança (surgida em 1999), nesse período ainda surgiram as companhias Tabula Rasa Dança Contemporânea (Henrique Schüller), Companhia Lúmini (Sérgio Machado), Grupo Tápias Companhia de Dança (Giselle Tápias), Arquitetura do Movimento (Andrea Jabor), AMCD - Andrea Maciel Cia. de Dança, Paulo Mantuano Companhia de Dança, Cia. Ra Tame Tanz (Alexandre Franco), Cia. Movimento e Luz (Ivana Menna Barreto), Tanzhaus (Toni Rodrigues) e Pulsar Cia. de Dança (Thereza Taquechel); os primeiros trabalhos de coreógrafos que depois teriam suas próprias companhias, como Alex Neoral (Focus Cia. de Dança) e Carlos Laerte (Laso Cia. de Dança); e criadores independentes como Paula Águas, Helena Vieira, Michel Groisman, Marcela Levi, Cláudia Müller, Denise Stutz, Verusya Correa, Cláudia Petrina, entre outros. Na mesma época, companhias como a de Lia Rodrigues e de Deborah Colker iniciaram expressivas carreiras internacionais.

“O Rio funciona hoje como o melhor exemplo de que cidade onde existe política cultural é diferente. As duas gestões de Helena Severo na Secretaria Municipal de Cultura resultaram numa ação de apoio permanente à dança, cujos resultados já são mais que visíveis: as companhias cariocas passaram a ocupar um lugar de destaque no Brasil, inundando todos os festivais e voltando a educar o seu público com temporadas freqüentes nos teatros da cidade”.
Helena Katz (11/08/1998), crítica de dança do jornal O Estado de São Paulo

2) PANORAMA DE DANÇA (1992 - )
Evento criado por Lia Rodrigues, o Panorama da Dança Contemporânea teve sua primeira edição no Espaço Cultural Sérgio Porto, reunindo treze grupos cariocas em 1992.
Em 1997, o festival entrou para o calendário oficial da cidade, sendo adotado pelo RioArte, o que significou um aumento de verbas e a sua transferência do Espaço Cultural Sérgio Porto para o Teatro Carlos Gomes, passando a se chamar Panorama RioArte de Dança.
Em 2004, a parceria com a Secretaria Municipal de Cultura foi descontinuada. Na época, a Prefeitura contribuía com um terço do custo total do festival (no ano de 2003, o orçamento geral do festival foi de R$1.000.000,00) e cedia os teatros Sérgio Porto e Carlos Gomes, mas atrasava em vários meses a liberação das verbas. O restante do custo (2/3) do festival provinha dos parceiros nacionais (SESC RJ, SESC SP e Funarte, entre outros) e internacionais do festival.
Em 2006, Lia Rodrigues deixou a direção do festival, assumida por Nayse Lopez e Eduardo Bonito desde então.
O Panorama de Dança abrange apresentações de espetáculos, performances e work-in-progress nacionais e internacionais, além de atividades paralelas como workshops, debates e lançamento de livros. Iniciativas como a Mostra Novíssimos Coreógrafos, residências com criadores, diálogos (como o Springdance Dialogues, em 2002), projetos de intercâmbio, delineando uma política de festival que potencializou o surgimento de novos artistas e projetos na cena carioca e nacional.
Parcerias com instituições como British Council, Goethe Institut, Consulado Geral da França, Aliança Francesa, e Festival Danças na Cidade de Lisboa / Portugal, permitiram trazer ao festival companhias internacionais e levar a países como Inglaterra, Alemanha, EUA, França e Portugal espetáculos e criadores brasileiros. Parcerias com algumas instituições e festivais estrangeiros também permitiram a realização de projetos de colaboração entre artistas brasileiros e de outros países, como o Projeto Encontros Brasil/Lisboa 2005/2006 e o projeto coLABoratorio, que reuniu 20 artistas da Europa e da América do sul, entre 2006 e 2007 para a realização de criações conjuntas.

“A dança realiza-se hoje como uma das principais manifestações culturais da Cidade do Rio de Janeiro. Festivais, Encontros, Companhias de Dança, a todos a Secretaria Municipal de Cultura, através do RioArte tem dado especial atenção, dentro de sua política de incentivo, fomento e apoio às Artes.
O Panorama RioArte surge como uma vitrine desta política. O público do Rio terá a oportunidade de assistir a uma programação diversificada com espetáculos inéditos de companhias subvencionadas pela prefeitura além de outros grupos de dança contemporânea cariocas, de outros estados e países. Os profissionais do Rio poderão vivenciar intenso intercâmbio com outras companhias através de workshops e palestras. Realiza-se o Panorama RioArte de Dança 1997, pensa-se no próximo, vê-se o evento fazendo parte do calendário oficial da Cidade do Rio de Janeiro firmando-se como a capital nacional da dança”.
Helena Severo, Programa Panorama 1997

“Desde sua primeira edição, o Panorama mudou de formato, fortaleceu o relacionamento com os parceiros no Brasil e no exterior e saiu da dependência financeira das estruturas municipais para sua atual forma de financiamento, via leis de incentivos federais e estaduais. As empresas parceiras entendem que a combinação de espetáculos menos comerciais, com excelência artística e preços populares é não só viável, como garante mais acesso à arte e maiores possibilidades de integração com diversos públicos da cidade. Uma grande parte do financiamento do festival vem também de institutos, fundações e organismos de fomento internacional, numa confirmação da credibilidade e relevância que o Panorama alcançou no mundo”.
Programa Panorama 2006

3) PROGRAMA DE BOLSAS RIOARTE (1995 - 2004)
Bolsa destinada a pesquisadores, artistas, autores e técnicos com projetos de interesse cultural para a cidade do Rio de Janeiro nas categorias: Artes cênicas (dramaturgia e cenografia), Música (composição), Artes visuais (artes plásticas, fotografia e vídeo), Dança (coreografia). Literatura, Arte e Tecnologia.
A Bolsa, com validade de seis ou doze meses, pagava R$ 1.500 mensais a cada contemplado. Ao longo de sua existência, passou por modificações, como a setorização geográfica das bolsas em cinco áreas de planejamento do Rio, buscando diminuir a concentração de bolsas contempladas na Zona Sul, e a divisão dos candidatos entre Notório Saber e Iniciante. Tais mudanças foram muito criticadas na época em função de preterir critérios de pertinência qualitativa dos projetos em prol de critérios sócio-geográficos, no caso da primeira, e por diminuir a importância de comprovação de carreira na segunda.
Nomes da dança carioca como Esther Weitzman, Frederico Paredes (em parceria com Gustavo Ciríaco), Roberto Pereira, Sílvia Soter, Dani Lima, Paulo Caldas, entre outros, desenvolveram projetos de pesquisa através desta bolsa.

4) PRÊMIO RIODANÇA (1999 - 2000)
O Prêmio foi uma das iniciativas realizadas em conjunto pelo Comitê Carioca de Dança (ver abaixo) com a Secretaria Municipal de Cultura. Consistiu em um prêmio anual oferecido aos que se destacaram nas produções de dança do Rio de Janeiro. O vencedor de cada categoria (bailarino, bailarina, coreógrafo, figurinista, cenógrafo, iluminador, trilha sonora, produtor e categoria especial/evento) recebia R$ 3 mil. Apenas duas edições.

“Um prêmio exclusivo para a dança, inventado e julgado por profissionais de dança. Num país onde essa área vem sendo tratada a reboque de outras, em iniciativas semelhantes, a notícia ganha ares de alforria”.
Helena Katz “RioDança anuncia premiados no dia 6” (O Estado de São Paulo, 15/03/99)

Nota: COMITÊ CARIOCA DE DANÇA (1998 - 2000) - Eleita por artistas, pesquisadores e estudantes da dança carioca, esta comissão (Angel Vianna, Gatto Larsen, Gilda Almeida, João Saldanha e Leonel Brum) foi responsável por vários projetos de política cultural junto aos órgãos governamentais das esferas municipal, estadual e federal. Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, lançou o projeto RioDança, que previa quatro vertentes de ação: Subvenção a Companhias, Projeto Memória da Dança, Prêmio Riodança e a criação de um Centro Coreográfico.

“Ao se pensar em políticas públicas para a dança no Brasil, a cidade do Rio de Janeiro surge como um exemplo a ser considerado. A dança desta cidade revitalizou-se a partir da atuação da ex-Secretária Municipal de Cultura Helena Severo (1992 a 1999).
A competência administrativa de Helena Severo tem fundamento em pontos indispensáveis. O primeiro diz respeito à atitude de estabelecer e manter um diálogo constante com a classe da dança, organizada através do Comitê Carioca de Dança. Assim, não instituiu uma política à revelia, mas voltada aos anseios da categoria”.
Jussara Janning Xavier, “A política da dança nos anos 90 em Florianópolis” (http://idanca.net, 23/03/2005)

“Felizmente, há outros entendimentos a respeito de como realizar uma política cultural para a dança, como demonstra Helena Severo à frente da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. Como resultado direto de sua atuação, a dança feita no Rio de Janeiro voltou a ocupar lugar centreal na produção brasileira.
Também lá, nasceu o Comitê Carioca de Dança, responsável por uma mobilização importantíssima da classe de dança em todo o País. O comitê realizou uma exposição sobre memória e entregou o pedido para a criação de um Centro Coreográfico – que a secretária garante que será atendido durante o ano que se inicia em breve”.
Helena Katz, “Balanço 1998” (O Estado de São Paulo, 28/12/1998)

5) PROJETO MEMÓRIA DA DANÇA (1998 - 1999)
Mais outra iniciativa realizada em conjunto pelo Comitê Carioca de Dança com a Secretaria Municipal de Cultura. O principal evento foi a exposição Imagens da Dança, no Centro de Arte Helio Oiticica, que exibiu fotos, documentos, figurinos, maquetes, partituras e acessórios relacionados à história da dança carioca no século XX.

“Pela primeira vez, tudo isso será oferecido ao público - um material capaz de reconstruir exatamente o que toda atividade cênica logo perde: a memória. Tratada no País como a arte do descartável, a dança conquista, com um empreendimento desse porte, o direito à sua história. É como se lhe fosse concedido o mérito da respeitabilidade”.
Helena Katz (O Estado de São Paulo, 11/08/98)

6) CIRCUITO CARIOCA DE DANÇA (1998 - 2003)
Projeto criado pelo RioArte, coordenado por Thereza Rocha (então diretora da divisão de dança do Rioarte), buscava oferecer uma mostra da produção carioca de dança e proporcionar visibilidade às companhias. O Circuito começou com 22 companhias que, durante três meses, apresentaram-se nos palcos dos teatros Carlos Gomes, Delfim, Glória e Espaço Finep para um público de 9.600 pessoas. No ano seguinte, o evento foi ampliado em direção à zona Oeste e Leopoldina, levando 20 companhias de dança para se apresentar nas Lonas Culturais desses locais.

7) DANÇA EM TRÂNSITO (2002 - )
Versão carioca da rede internacional Ciudades que Danzan, que busca o encontro entre a dança e os espaços públicos urbanos, teve a primeira edição dentro do III Circuito Carioca de Dança, mas se tornou um evento independente, coordenado desde o seu surgimento pela coreógrafa Gisele Tápias. Inclui apresentações de grupos nacionais e internacionais, oficinas e palestras.

8) CENTRO COREOGRÁFICO DA CIDADE DO RJ (2004 - )
A criação de um Centro Coreográfico era um projeto antigo da classe da dança carioca, e um dos projetos defendidos pelo Comitê Carioca de Dança junto à Secretaria Municipal de Cultura. Ocupando uma antiga fábrica de cerveja na Tijuca, o Centro é dirigido desde a sua inauguração por Regina Miranda. Possui salas de ensaios, teatro, sala de exposições, biblioteca, auditório e apartamentos para coreógrafos visitantes. Entre 2003 e 2004, o Centro Coreográfico publicou a revista Gesto, com artigos e ensaios sobre dança.

“O Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro é um espaço para a pesquisa, criação, desenvolvimento, apresentação, documentação e difusão da arte da dança, integrado ao movimento artístico e cultural do país e do mundo. Aberto a todas as camadas da população, promove a inclusão social, a diversidade e a qualidade artística, estimulando a experimentação e o aprofundamento das questões da dança hoje.
O espaço é uma oportunidade para o encontro das diversas vertentes da dança,entre si e com as outras artes, e abre-se a todas as camadas da população, promovendo a inclusão social, a diversidade e a qualidade artística, através do estímulo à experimentação e ao aprofundamento das questões da dança e do nosso tempo. Ele será sempre o lugar daqueles que atendam ao convite e compareçam ao encontro que tem como marca a inquietação do movimento”.
Texto institucional (www.rio.rj.gov.br/centrocoreografico)

9) APOIO A TEMPORADAS DE DANÇA (2002)
No ano de 2002, o RioArte através de sua divisão de dança dirigida por Thereza Rocha, promoveu e defendeu uma política de apoio a temporadas de dança através da expansão das pautas para dança nos teatros e espaços da prefeitura, do aumento das temporadas para 3 semanas ( ao invés das 2 semanas usuais) e designação de uma verba especifica para os custos de produção de cada temporada. O valor girava em torno de R$ 20 mil por companhia. É importante ressaltar que essa política se destinava às companhias não apoiadas por seu programa de subvenção.

ADENDO: Matéria publicada no Segundo Caderno d’O Globo de 09 de novembro de 2006:

O Rio de Pernas pro Ar
(Eduardo Fradkin)

Julho de 1992 pode parecer, hoje, a Idade das Trevas: o esquema PC Farias vinha à tona e implicava o presidente Fernando Collor, a inflação era de 22,4%, e o dólar estava cotado a Cr$ 3.536 (o equivalente a R$ 4,90). No dia 6 daquele mês, começava a primeira edição do festival Panorama da Dança Contemporânea, com 13 produções cariocas, no Espaço Cultural Sérgio Porto. Um evento modesto comparado ao que se inicia amanhã, rebatizado Panorama de Dança, com 23 atrações do mundo todo, em dez endereços. Em sua 15a edição, ele se tornou o maior do gênero no Rio. Mas, antes que alguém se apresse a dizer que a cena melhorou, é bom lembrar que naquele entrevado mês de julho de 1992, apesar da crise, os cariocas viram também o Dança Rio Festival, nos Arcos da Lapa, com 34 companhias brasileiras, e, poucos dias antes, deslumbraram-se com as atrações internacionais do Carlton Dance Festival e com a IX Mostra de Novos Coreógrafos, da (então) autarquia municipal RioArte. A dança ia bem das pernas. Ia?

- Muitas das ações públicas para a dança, daquela época, foram desfeitas - critica a coreógrafa Lia Rodrigues, que se afastou este ano do Panorama após coordená-lo desde o surgimento, quando era apoiado pelo RioArte. - Hoje, a prefeitura é campeã de projetos extintos ou esvaziados. Mesmo o Centro Coreográfico (único que restou) tomou um rumo totalmente diferente do inicial, quando eu e João Saldanha estávamos envolvidos na sua concepção.

O RioArte, de fato, foi esvaziado e hoje se chama Subsecretaria de Arte e Cultura. Além de manter o Centro Coreográfico, o órgão co-patrocina eventos esporádicos como o Festival Tápias. No seu site, ainda estão listadas 13 companhias às quais dá subvenção. Na verdade, dava.

- Acabou no ano passado. A explicação que recebemos era que o projeto de subvenção seria refeito e voltaria num novo formato, melhor e mais abrangente, no fim daquele ano. Até agora, nada - resume a coreógrafa Dani Lima, uma das antigas beneficiárias, assim como a colega Márcia Milhazes, que também reclama da falta de patrocínios.

O próprio festival Panorama de Dança chegou a carregar o nome RioArte durante alguns anos. A parceria com a prefeitura foi desfeita em 2004, devido a atrasos nos repasses de verbas e pagamento de valores abaixo dos que haviam sido combinados.

- Decidimos buscar financiamento através das leis de incentivo fiscal. Hoje, 60% do orçamento vêm de empresas brasileiras. A Petrobras e a Telemar investem pela lei do ICMS. A Funarte e a Caixa Econômica, diretamente. O Sesc e o Teatro Municipal co-produzem alguns espetáculos. Os 40% restantes vêm de instituições internacionais. Conseguimos R$ 700 mil para esta edição. Desde que rompemos com a prefeitura, o orçamento cresceu cerca de 30% - festeja Nayse Lopez, que assumiu a curadoria com Eduardo Bonito, pela primeira vez sem a parceria de Lia Rodrigues.

Artistas pedem apoio contínuo e não só para espetáculos

No início da década de 1990, em pleno governo Collor, no qual as artes (sobretudo as cênicas) foram tratadas com descaso, os bailarinos nem cogitavam pendurar as sapatilhas. A coreógrafa Regina Miranda, participante da primeira edição do Panorama de Dança, dirigia o Fórum de Dança Contemporânea do MAM, que teve duas edições. Lia Rodrigues estava envolvida com o Olhar Contemporâneo, promovido pela Funarte (órgão federal).

- Isso foi muito importante para que eu percebesse a importância, naquele momento, de se ter um espaço de encontro com outros artistas. Éramos vários coreógrafos independentes e companhias cariocas trabalhando sem espaço para mostrar suas criações - diz ela.

O coreógrafo João Saldanha, que trabalhou com Lia na elaboração do Olhar Contemporâneo, afirma que persiste até hoje o problema de falta de espaços para que se mostre a produção artística da cidade:

- Ainda há poucas salas de apresentação para as artes, incluindo a dança. Sem salas, não há mercado de trabalho. O Panorama mostra a necessidade desses espaços.

Outra reclamação recorrente, embasada pelos órfãos do RioArte, é a carência de apoios (patrocínios, aportes ou outros sinônimos) para a manutenção das companhias de dança. Para Lia, a gestão da secretária municipal de Cultura Helena Severo, entre 1993 e 2000, foi um oásis nesse deserto.

- As companhias não sobrevivem sem apoio para as suas atividades cotidianas. Não adianta patrocinar só montagens de espetáculos. Naquela época, as companhias ditavam seus rumos - observa Helena.

Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2008.
Ilma. Secretária Municipal de Cultura,
Sra. Jandira Feghali

Prezada Senhora,

Nós, criadores, bailarinos, performers, coreógrafos, produtores, gestores culturais, professores, críticos, curadores e pesquisadores de dança do Rio de Janeiro temos nos reunido regularmente para discutir políticas públicas para cultura visando produzir a base para um diálogo e a colaboração entre o poder público e a classe de dança, no que diz respeito às orientações da política cultural.

Neste sentido, com a entrada da Sra. na Secretaria Municipal de Cultura, achamos um excelente momento para reiniciarmos um diálogo com a esfera municipal, que tanto já fez em prol do desenvolvimento da dança carioca nas últimas duas décadas, como comprova o memorial em anexo.

Vale lembrar que a cidade do Rio de Janeiro tem se destacado como pólo de criação, reflexão e produção de dança. A dança carioca alcançou, nas últimas duas décadas, uma projeção e repercussão internacionais superiores às outras modalidades inscritas sob a rubrica de artes cênicas. Nacionalmente, a dança é a segunda atividade artística mais disseminada no território: 56% dos municípios abrigam grupos dessa linguagem (dados retirados do Plano Nacional de Cultura - Diretrizes Gerais, página 35, www.cultura.gov.br/pnc), sendo o Rio de Janeiro um centro de referência da dança produzida no Brasil, abrigando uma centena de companhias estáveis.

Este panorama fértil, no entanto, é constantemente abalado pela descontinuidade das políticas públicas para a cultura, a exemplo do decreto que extinguiu o Instituto Municipal de Arte e Cultura – RioArte, em 2006, suspendendo uma série de iniciativas valorosas desse instituto na fertilização e multiplicação do panorama cultural carioca. A extinção do RioArte implicou um enorme retrocesso numa política pública municipal que se consolidava, lentamente, desde os anos 90, e marcou um processo de esvaziamento que descontinuou, quase por completo, as ações que fizeram da Prefeitura do Rio, então, um exemplo para a dança brasileira.

Buscando uma alternativa para tal cenário, encaminhamos à Secretaria Municipal de Cultura as seguintes sugestões de ação, que julgamos pertinentes a uma política cultural para a dança, amparados em experiências anteriores e ainda, em necessidades prementes da classe. Acreditamos que esse conjunto de medidas contempla não apenas uma política de eventos, mas sobretudo uma ação continuada, questão fundamental para a vitalidade do panorama cultural da cidade do Rio de Janeiro.

1) Coordenação de Dança

Uma coordenação específica de dança, composta por um profissional com reconhecida experiência e conhecimento da classe de dança carioca, que represente os interesses particulares do setor dentro do grupo das Artes Cênicas e que atue como mediador das reivindicações de ambos os lados, é uma das importantes conquistas da dança nas últimas décadas, tanto na esfera municipal quanto na federal, que sugerimos ser mantida.
Este coordenador deve ser escolhido em parceria com a classe da dança, através de consulta aos seus coletivos, fóruns de discussão e órgãos representativos.

2) Subvenção a grupos, criadores independentes e núcleos de artistas

A subvenção visa a manutenção dos processos continuados de criação desenvolvidos, seja por grupos e companhias, seja por artistas independentes, com suas respectivas equipes de criação e/ou técnicas. Tal manutenção dos grupos, núcleos e artistas independentes é fundamental para o aprofundamento e amadurecimento dos processos criativos, garantindo condições para uma colaboração efetiva entre os artistas. Além de proporcionar uma gestão mais profissional das companhias e grupos, o planejamento anual do orçamento de um projeto criativo é vital para autonomia da economia da cultura, para a manutenção dos vínculos profissionais e para ampliar o acesso aos bens culturais produzidos por estes artistas assim como as repercussões de tal produção.
Vale lembrar que a Secretaria Municipal de Cultura, através do RioArte, foi responsável por uma iniciativa pioneira no Brasil, promovendo a subvenção a grupos de dança – o PROGRAMA RIOARTE DE SUBVENÇÃO À DANÇA CARIOCA, que vigorou entre 1995 e 2005, chegando a contemplar 13 companhias cariocas.

3) Bolsas de pesquisa

As bolsas de pesquisa se revelaram um lugar privilegiado de fomento à inovação e aprofundamento da produção artística, contemplando pesquisadores tanto da área teórica quanto prática. A partir de um estudo das bolsas de pesquisa que existiram com sucesso em nosso país, como por exemplo, o Programa de Bolsas RioArte, delineamos a seguir, como sugestão, as linhas gerais de uma bolsa de pesquisa voltada para a dança.
- Bolsa de pesquisa teórica – destinada a pesquisadores com vistas a desenvolver pesquisa histórica ou estética. Tal iniciativa viria nutrir, através das questões ou temas pesquisados, a discussão e o pensamento crítico da dança na cidade do Rio, tanto em termos estéticos quanto historiográficos.
- Bolsa de pesquisa prática – destinada a artistas com vistas a desenvolver temas relevantes a seu processo de criação ou a empreender uma pesquisa coreográfica/performática. Tal iniciativa visa fomentar os processos criativos sem a premência imediata de produzir espetáculos.
Durante a vigência da bolsa, seria interessante e importante que os candidatos às duas modalidades apresentassem relatórios e registros a serem encaminhados posteriormente à instância responsável pelo programa e disponibilizados ao público em geral seja através de site específico, seja através de ensaios e conversas públicas. Quanto à comissão de seleção, sugeriríamos a escolha de pessoas de idoneidade e de notório saber, em estreita parceria entre o poder público e a classe de dança através de consulta aos seus coletivos, fóruns de discussão e órgãos representativos.
Acreditamos que o período de 1 ano seja o mais interessante para a realização de uma pesquisa de tal configuração.

4) Edital de fomento à montagem de espetáculos

O fomento à montagem permite a produção de trabalhos inéditos de grupos, companhias e artistas independentes. Este edital deve ser anual e julgado por uma comissão especializada, composta de pessoas de idoneidade e de notório saber, escolhidas em parceria entre o poder público e a classe de dança, através de consulta aos seus coletivos, fóruns de discussão e órgãos representativos.

5) Edital para a ocupação dos teatros e lonas culturais da rede municipal de cultura

É fundamental para um município como o Rio de Janeiro, transbordante de iniciativas culturais, a criação de um edital que organize a ocupação dos equipamentos municipais de cultura da cidade, entre os quais os teatros da rede municipal e as lonas culturais, através da transparência e clareza de critérios assim como da escolha de suas comissões de avaliação em consonância com os desejos da classe. Este edital deve ser anual e contemplar tanto grupos/companhias quanto artistas independentes.
Considerando as diversas modalidades de artes cênicas e a dificuldade de estabelecer um critério de divisão justo e ao mesmo tempo incentivador de novas conquistas para cada um dos segmentos artísticos, sugerimos uma reserva de pauta para a dança, garantindo pelo menos 25% da ocupação total dos teatros da rede. É importante lembrar que a dança tem certas especificidades, o que faz com que certos espaços e palcos sejam mais adequados para espetáculos de dança (a exemplo do Teatro Carlos Gomes, Espaço Municipal Cultural Sérgio Porto e Teatro do Jockey).

6) Apoio a Seminários

O estímulo aos seminários que reúnem pensadores, teóricos e criadores permite uma circulação do pensamento acadêmico que dialoga com a produção artística; estimula e provoca ações e encontros que dificilmente aconteceriam, possibilitando ainda diálogos entre diferentes culturas e modos de fazer artísticos. Estes encontros acontecem através da ação de professores e pesquisadores de universidades que conhecem a produção de dança no Rio de Janeiro e dialogam intensamente com outros municípios, estados e países.

7) Apoio a mostras e festivais

À exemplo dos festivais internacionais Panorama RioArte de Dança e Dança em Trânsito e da mostra Circuito Carioca de Dança, todos criados e desenvolvidos com o apoio institucional e financeiro da Secretaria Municipal da Cultura ( e posteriormente desligados da Secretaria - no caso do Panorama de Dança e do Dança em Trânsito ou extintos - no caso do Circuito Carioca de Dança), as mostras e festivais são o maior canal de informação e circulação de idéias entre artistas e população do Rio de Janeiro. Estas experiências também dialogam com outras em múltiplos estados e países, através das redes internacionais de festivais. Acreditamos ser fundamental o fomento a estas iniciativas, pois esses momentos de encontros, intercâmbios e transbordamentos culturais são da maior importância tanto artística quanto economicamente para a cidade do Rio, conferindo-lhe projeção nacional e internacional como pólo irradiador de arte e cultura.

8) Prêmio de Dança

Uma premiação anual oferecida aos que se destacaram nas produções de dança do Rio de Janeiro seria uma iniciativa importante da Secretaria Municipal de Cultura, que traria maior estímulo e visibilidade à produção de dança e às ações de fomento da Secretaria. O vencedor de cada categoria (bailarino, bailarina, coreógrafo, figurinista, cenógrafo, iluminador, trilha sonora, produtor e categoria especial/evento) deveria receber também um valor em dinheiro.

9) Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro

É de extrema importância a manutenção do Centro Coreográfico do Rio de Janeiro como um espaço de referência da dança carioca. O Centro Coreográfico promoveu, desde sua criação em 2004, uma série de ações importantes para a democratização e inserção da dança na comunidade, assim como projetos de formação profissional, além de abrir espaço para ensaios e apresentações das mais diversas companhias de dança da cidade. Entre as ações de destaque realizados pelo Centro Coreográfico nestes 4 anos, estão:
Corpo Coletivo – 76 companhias cariocas beneficiadas entre agosto de 2004 e dezembro de 2008.
Espetáculos – Mais de 500 artistas da dança já se apresentaram no Espaço Cênico do Centro Coreográfico.
Longevidança – 90 alunos com mais de 50 anos beneficiados com aulas permanentes desde 2005.
Entre as diretrizes para uma nova gestão do Centro Coreográfico estão a criação de linhas de ação que possam ampliar ainda mais sua atuação e possibilidades como pólo promotor e irradiador de reflexão, difusão e informação sobre dança; criação e apresentação de espetáculos, trabalhos em processo e eventos; formação e reciclagem de profissionais, residências artísticas, intercâmbios interdisciplinares, estaduais e internacionais, comunicação e integração com a comunidade.
Sugerimos que uma nova direção para o Centro Coreográfico seja escolhida em parceria com a classe de dança, através de consulta a aos seus coletivos, fóruns de discussão e órgãos representativos.

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The Carta da Dança à Jandira Feghali petition to Secretaria Municipal de Cultura was written by Daniella Lima and is in the category Culture at GoPetition.